A Selva em Silêncio: O Eco da Mente Cansada

 

Era manhã na Selva S.A. O sol nascia entre os galhos altos, mas o brilho parecia menos dourado  talvez porque os animais andavam cinzentos por dentro. O rugido do Leão já não assustava, o canto do Bem-te-vi soava rouco, e até a Onça, antes ágil e imponente, parecia arrastar os passos pela clareira.

A Selva estava exausta. Não por falta de trabalho, mas por excesso de peso invisível.

A Coruja, que agora ocupava o cargo de Diretora de Saúde Mental, reuniu todos na grande árvore do conselho. Abriu um gráfico feito com folhas de eucalipto e gravetos: uma montanha crescente de afastamentos.

— Companheiros — disse ela — desde 2022 os casos de animais afastados por cansaço emocional e crises de ansiedade mais do que dobraram. Já são quase meio milhão de afastamentos humanos registrados pelo INSS em 2024 por motivos de saúde mental. Isso não é um problema da jaula  é da floresta inteira.

O Leão, presidente da Selva S.A., rugiu fundo, tentando disfarçar o nó na garganta:
— Então é verdade… os rugidos estão ficando sem eco.

O Macaco, inquieto, interrompeu:

— A gente fala tanto em inovação, produtividade, inteligência artificial… mas esquecemos da inteligência emocional. Como dizia Nietzsche, “Quem tem um porquê enfrenta quase qualquer como”. Só que muitos aqui já nem sabem o porquê levantam de manhã.

A Onça, do RH, baixou a cabeça.
— O problema é que a selva cobra demais e acolhe de menos. Criamos métricas para medir o desempenho, mas nenhuma para medir a dor.

O Elefante, com sua memória longa e fala mansa, completou:
— E quando a dor cala, o corpo grita. A economia perde, mas o que morre primeiro é o sentido.

Silêncio. Só se ouvia o vento nas folhas.

A Coruja retomou:
— E não para por aí. Trinta em cada cem acidentes na estrada das Savanas têm relação com esgotamento mental. Motoristas dormem menos, reagem pior, e morrem mais. A doença mental não mata só quem a sente. Mata quem cruza o caminho dela.

O Búfalo, pai de três bezerrinhos, olhou para o chão:
— Lá em casa, quando minha parceira adoeceu, ninguém entendeu. Disseram que era “frescura”. Só quando ela parou de se levantar é que o rebanho percebeu o tamanho da queda. A família sente primeiro e sofre mais.

A Coruja então projetou outro dado nas folhas da clareira:
Metade dos municípios brasileiros não possui serviços adequados para atender transtornos mentais.
A tartaruga, cansada e sábia, suspirou:
— Aristóteles já dizia que “o homem é um ser social”. Quando o social adoece, todos adoecem juntos.

O Leão olhou o horizonte. O poder não o consolava.
— E nós, como líderes, o que temos feito? Talvez tenhamos confundido autoridade com empatia. Talvez o verdadeiro rugido hoje seja o da escuta.

O Macaco balançou entre os galhos e propôs:
— Que tal criarmos um plano? Não de metas, mas de almas.

E assim nasceu o Plano de Cuidado da Selva S.A.:

  • Escuta ativa.
  • Retorno gradual ao trabalho.
  • Treinamento de líderes para acolher, não apenas cobrar.
  • Espaços de silêncio.
  • Campanhas de apoio, não de vergonha.
  • Investimento em saúde mental como prioridade, não como custo.

A Onça escreveu em uma placa de madeira:

“Não é fraqueza pedir ajuda. Fraqueza é não querer mudar o que adoece.”

A Coruja complementou:

“Precisamos de menos palestras sobre sucesso e mais conversas sobre sentido.”

E o Leão encerrou a reunião com uma voz que, pela primeira vez, não rugiu:

“O lucro que não cuida da vida, destrói a própria selva.”

Análise final  por Antoniel Bastos

E o Brasil é essa selva que trabalha exausta, ama pouco e se cala demais.

Vivemos o paradoxo do século: nunca se falou tanto sobre saúde mental e nunca se adoeceu tanto.
O INSS confirma: quase meio milhão de afastamentos por transtornos mentais em 2024.
As estradas sangram com acidentes ligados à exaustão.
As famílias desabam sob o peso do silêncio.
As empresas empilham metas, mas não pessoas.

A modernidade nos fez acreditar que sentir é sinal de fraqueza. Que o trabalhador ideal é o robô emocional. Mas não há algoritmo que cure a solidão.
Como dizia Pascal, “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.
E como lembrou Carl Jung, “Nada que negamos em nós mesmos deixa de influenciar o mundo ao redor”.

  • A saúde mental não é luxo, é estrutura.
  • Não é palestra de final de ano, é política de todos os dias.
  • Não é psicólogo de plantão, é gestor com empatia.
  • E, acima de tudo, não é gasto é investimento.

A civilização corporativa precisa de um novo contrato: onde o desempenho caminha junto com o bem-estar.
Porque o que destrói uma empresa não é a falta de resultados, é a falta de sentido.
E o que cura uma selva não é o grito, é o cuidado.

“Cuidar da mente é salvar a vida. E salvar a vida é o único lucro que vale a pena.”
Antoniel Bastos

 Antoniel Bastos – Presidente da Rede Incluir, jornalista (MTB 00375/RJ), escritor e Coach em Desenvolvimento Humano (Universidade Anhanguera/SP). Pós-graduado em Marketing Digital (Unisignorelli/RJ), é Diretor de RH da ACIJA e Gestor de Relacionamento Estratégico do Grupo Tokke. Especialista em Diversidade, Inclusão e Comportamento Organizacional, atuando na transformação de culturas corporativas com uma linguagem humana, crítica e inspiradora.

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