A Pessoa com Deficiência e a Farsa do Banquete Diverso


Era uma vez uma floresta moderna, cheia de placas motivacionais: “Aqui valorizamos todos!” gritavam os letreiros. Uma floresta que gostava de parecer justa. Afinal, a aparência é o novo valor.

O Leão, CEO da selva corporativa, resolveu organizar um grande banquete de contratações. Queria mostrar ao mundo o quanto sua empresa era... diversa.

E vieram todos: o Macaco publicitário, a Águia executiva, o Elefante estrategista, a Girafa analítica. E, discretamente, chegou a Tartaruga, com sua carapaça marcada pelas trilhas da vida cadeirante, mas com a mente mais veloz que qualquer felino.

O Leão a recebeu com pompa e disse:

— “Você é muito bem-vinda, fazemos questão de ter diversidade aqui.”

A Tartaruga sorriu, mas logo perguntou:

— “E como chego até a mesa do banquete?”

O Leão apontou a escada suspensa em galhos altos.

— “Todos sobem por ali.”

— “Mas não há rampa...”

— “Mas veja: você foi convidada! Está aqui! Isso já é inclusão, não?”

Ela não respondeu. Apenas olhou em volta. O mesmo palco, o mesmo teste, a mesma régua para corpos e vidas diferentes.

E então, de cima de uma árvore, falou a Coruja velha, observadora, cansada de assistir aos mesmos discursos reciclados:

— “Ah, meus caros… Diversidade é convidar todos para o baile. Equidade é dar o sapato certo para cada um dançar.”

Fez-se silêncio.

A Coruja desceu o tom e continuou:

— “Vocês adoram exibir diversidade como se fosse troféu. Como se pendurar no pescoço um arco-íris resolvesse séculos de exclusão. Mas se a estrutura continua sendo feita para os mesmos os ágeis, os normativos, os padrões então o convite é só fachada.”

— “Equidade,” disse ela, “é reconhecer que justiça não é tratar todos iguais, é dar a cada um o que precisa para estar em pé ou sobre rodas no mesmo chão.”

— “A Tartaruga não foi excluída por sua deficiência. Foi excluída porque vocês acham que ‘convidar’ já é o suficiente. Mas um convite sem acesso é só mais um cartaz bonito pregado na porta do abismo.”

O Leão enrubesceu. O Pavão abaixou a crista. O Macaco desligou o Instagram.

A Tartaruga virou-se e, antes de sair, disse:

— “Diversidade que não constrói pontes é só retórica performática. E quem vive de discursos bonitos, um dia é engolido pelas verdades feias.”

Minha analise (ao estilo Jabor) nosso saudoso mestre:

Vivemos em tempos de vitrines. Todos querem parecer justos, inclusivos, modernos. Mas a equidade não cabe em uma frase de LinkedIn. Ela mora no concreto das rampas, nas adaptações do processo seletivo, no reconhecimento de que o ponto de partida nunca é o mesmo.

Você que lê isso, olhe ao redor.
Você pratica inclusão? Ou apenas “parece” diverso?
Você constrói acessos? Ou apenas decora seu discurso?

Porque, no fim, como dizia Arnaldo Jabor:

“O Brasil é um país onde até a mentira virou verdade oficial.”
E talvez a maior mentira de todas seja achar que convidar é o mesmo que incluir.

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