Apagão de Talentos ou Apagão de Gestão?

 

Falta mão de obra no Brasil ou falta ponte entre o que ensinamos, o que exigimos e o que pagamos? De 2010 a 2025, a escassez de talentos oscilou como um pêndulo teimoso: em 2010, 64% dos empregadores já relatavam dificuldade para preencher vagas; caiu, subiu, desabou em 2018, explodiu após a pandemia e estacionou nos 80% mais recentemente. É um paradoxo: o desemprego bateu recorde durante a COVID-19 e, ao mesmo tempo, as empresas não encontravam gente “pronta”. Isso é falta de gente… ou de estratégia? (Série histórica Brasil: 2010, 2019, 2021 e 2022; 2025 com campo em out/2024: 81%. 

No mesmo período, o desemprego saltou para 13,5% em 2020 e depois caiu para 6,6% em média em 2024 e 5,8% no 2º tri de 2025 o menor da série da PNAD Contínua. Ou seja: há trabalhadores, há vagas, mas há um desencaixe.

A palestra na Selva S.A.

Palestrante: Coruja-das-Torres, economista-chefe da Selva S.A.

Tema:
“Do jeitinho ao algoritmo: por que nossa escassez é de ponte, não de gente.”

A Coruja abre o telão com uma linha do tempo.

Coruja: “Em 2010, 64% das empresas do Brasil diziam ter dificuldade para preencher vagas; em 2011, 57%; 2012, 71%; 2013, 68%; 2014, 63%; 2015, 61%; 2016, 43%; 2018, 34%; 2019, 52%. Depois da pandemia, deu cavalo de pau: 71% em 2021, 81% em 2022 e 81% em 2025. Isso é crônico.” 

Leão (CEO): “Então falta talento ou falha nossa?”

Coruja: “Ambos. O país precisa qualificar 14 milhões de trabalhadores em ocupações industriais até 2027, 2,2 milhões formação inicial e 11,8 milhões em requalificação. Se não investirmos, seguimos trocando figurinha em vez de formar time.” 

Jacaré (CFO): “Tradução em cifras: vaga aberta demais custa. Quando a escassez fica em 80%, o tempo de preenchimento aumenta, a produção patina e o custo de oportunidade dispara. Some a isso o turnover e a conta arde.” (Baseado em evidências de escassez e impacto produtivo das pesquisas ManpowerGroup.) 

Onça (RH): “E não é só técnica. Em 2023, o combo mais demandado juntava soft skills confiabilidade, resolução de problemas, colaboração com competências digitais. Quem domina gente e dados virou ouro.” 

Macaco (TI): “A indústria quer automação, nuvem, cibersegurança. O SENAI já aponta TI, logística, construção e manutenção como áreas quentes. Faltam ‘tradutores’ entre chão de fábrica e software.” 

Búfalo (Operações): “Lá na savana do turno da noite, o problema é básico: pouca formação prática, máquina nova sem treinamento, manual em inglês e salário que não conversa com a responsabilidade.”

Tatu (Infraestrutura): “E há buraco literal: transporte ruim, calçada ruim, rota longa. Escassez também é geografia.”

Arara (Comunicação): “Depois da pandemia, o bicho pegou no emocional. Equipes fragilizadas, líderes sem repertório humano e metas apertadas. A gente esqueceu que por trás do crachá tem pressão arterial.”

Jabuti (Jurídico): “Não esqueçam: diversidade e inclusão ampliam o funil de talentos. Sem acessibilidade e cumprimento de cotas, excluímos competência antes de avaliar.”

Formiga (Produção): “Falta hábito. Aristóteles já dizia: somos o que repetidamente fazemos. Treinem rotineiramente e produtividade vira hábito.”

Lobo-guará (Liderança): “Drucker sussurra: o que não se mede, não se gerencia. Cadê a régua de aprendizagem contínua?”

Beija-flor (Estagiária): “E Hannah Arendt lembraria: trabalhar não é só produzir; é pertencer a um mundo comum. Se a cultura repele, o talento voa.”

Tamanduá (Compliance): “Sem ética, queimamos reputação e encurtamos oferta de bons profissionais. O justo vive da fé, mas o contrato vive de práticas decentes (Provérbios 10).”

Coruja (fecha a lâmina com o contexto macro): “O desemprego médio anual caiu a 6,6% em 2024 e o 2º tri de 2025 marcou 5,8%, menor da série (iniciada em 2012). Ao mesmo tempo, 81% dos empregadores seguem relatando escassez. Chama-se desalinhamento estrutural: formação desatualizada + gestão de talentos míope + pouco investimento em requalificação.” 

Debate aberto “Os 7 nós da escassez” (2010–2025)

  1. Formação desalinhada ao trabalho real

Coruja: “A curva de falta de talentos acompanhou mais a tecnologia do que o PIB. Quando a automação acelerou, o gap aumentou. O SENAI reforça a urgência em qualificar milhões.”

  1. Gestão que confunde diploma com prontidão

Onça (RH): “Em 2018 a escassez caiu a 34% e, ainda assim, muita empresa contratava por canudo, não por competência.” 

  1. Soft skills subestimadas

Arara: “Resiliência, pensamento crítico e colaboração viraram diferencial e faltam.” 

  1. Investimento intermitente em upskilling

Macaco: “Picos de curso em crise, abandono na bonança. Resultado? 81% relatam falta em 2022–2025.” 

  1. Desigualdade territorial

Tatu: “Demanda e oferta não se encontram no mesmo CEP. Logística pesa.” (Inferência a partir de SENAI por estado.)

  1. Cultura e saúde emocional

Búfalo: “Pós-pandemia, o colapso emocional virou barreira invisível de performance.” (Corroborado por prioridades de soft skills nas pesquisas.) 

  1. Acesso e inclusão

Jabuti: “Quando falhamos em acessibilidade e diversidade, fechamos portas para talentos prontos.”

Frases potentes dos animais

  • Leão: “Talento não some; desiste.”

  • Coruja: “Escassez não é falta de gente, é falta de ponte.”

  • Jacaré: “Planilha sem gente é deserto com oásis desenhado.”

  • Formiga: “Produtividade é musculatura: treina ou atrofia.”

  • Arara: “Sem cultura que acolhe, o crachá pesa mais que o salário.”

  • Macaco: “Quem traduz máquina para humano contrata primeiro.”

  • Jabuti: “Inclusão é estratégia, não filantropia.”

O plano da Selva S.A. (pragmático e replicável)

  1. Mapear lacunas por função em 90 dias (competências técnicas e comportamentais).

  2. Academia interna + SENAI/SESI/IFs: formar “operador 4.0”, manutenção, logística e TI aplicada (convênios por estado). 

  3. Trilhas de soft skills (resolução de problemas, colaboração, adaptabilidade) alinhadas à pesquisa de 2023. 

  4. Programa de aprendizes, PcD e retorno ao trabalho com acessibilidade plena ampliar funil e combater viés.

  5. Recrutar por competência, não por pedigree: testes práticos e skills-based hiring.

  6. Rotas de mobilidade interna (job crafting e promoções horizontais).

  7. Saúde mental e liderança humanizada: formação de gestores para feedback, conflito e confiança.

  8. Medir tudo (Drucker tinha razão): time-to-fill, produtividade no ramp-up, NPS do colaborador, ROI de treinamentos.

  9. Ajuste de pacotes: faixa salarial clara, trilhas de carreira e flexibilidade real (local, horário).

  10. Cultura de aprendizagem contínua: “uma hora por semana de estudo, todo mundo, toda semana.”

Pitada filosófica (na boca da bicharada):

  • Sêneca (Coruja): “Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.”

  • Nietzsche (Leão): “Quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”

  • Bauman (Arara): “Num mundo líquido, aprenda rápido ou evapore.”

  • Paulo Freire (Macaco): “Educação muda pessoas; pessoas mudam empresas.”

  • Provérbios 15:1 (Jabuti): “A resposta branda desvia o furor.”

  • Eclesiastes 4:9 (Formiga): “Melhor serem dois do que um.”

Análise final, Antoniel Bastos

O Brasil não sofre de falta de gente; sofre de pobreza de projeto.

De 2010 a 2025, a montanha-russa dos números grita a mesma verdade incômoda: quando a tecnologia acelera e a escola cochila, o elevador social para no meio do poço.

De um lado, 81% dos empregadores dizem “não acho gente”; do outro, milhões procurando vaga com a bússola desmagnetizada. É o casamento perfeito entre currículo que não conversa com o trabalho e gestão que não conversa com gente.

“Não falta mão de obra, falta mão estendida.”

Temos um país que se modernizou por decreto e download, mas deixou o trabalhador na calçada da fábrica 4.0. Enquanto o algoritmo avança, ainda estamos discutindo se vale diploma sem prática, liderança sem escuta, soft skills sem salário.

“O Brasil não sofre um apagão de talentos; sofre um blecaute de visão.”

E o custo? Milhões por ano drenados em rotatividade, treinamento tardio, horas paradas dinheiro que poderia virar laboratório, escola técnica, creche corporativa.

“Cada demissão desnecessária é um cheque sem fundo contra o futuro.”

A saída é menos “jeitinho” e mais engenharia social de qualidade: ensino técnico forte, empresa-escola, líder-mentor, avaliação por competência, inclusão que alarga o funil começando por quem a sociedade teima em deixar de fora.

“Talento não nasce pronto: se constrói, se cuida, se planta como árvore que dará sombra e frutos.”

O resto é ruído. Porque gente existe. O que falta é ponte ponte de verdade, com trilho, orçamento e prazo.

“Enquanto não entendermos que cada trabalhador é investimento e não custo, viveremos numa fábrica de frustrações e não numa usina de futuro.”

Antoniel Bastos - Presidente da Rede Incluir, jornalista (MTB 00375/RJ), escritor e Coach em Desenvolvimento Humano (Universidade Anhanguera - SP). Minha expertise se estende ao Marketing Digital (Pós-Graduação Unisignorelli - RJ) , líder de iniciativas de Diversidade e Inclusão como Diretor de RH da ACIJA - Associação Industrial e Comercial de Jacarepaguá e Gestor de Relacionamento Estratégico do Grupo Tokke - Gestão de Qualidade de Vida. 

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