Pessoa com Deficiência na Selva S.A.: A Vaga Existe, Mas a Rampa Sumiu

 


Na agitada empresa Selva S.A., famosa por seus slogans em placas de bambu reciclado — “Aqui a diversidade floresce!” — uma nova vaga foi aberta. Era o cargo de "Analista de Fluxos e Trilhas".

A notícia correu entre as árvores e chegou ao Tatu Engenheiro, cadeirante, que além de dominar softwares de topografia, era especialista em túneis e acessos subterrâneos.

Com seu currículo laminado entre as patas, ele chegou na entrada da sede e parou. A trilha era cheia de raízes, escorregadia, e o portão? No alto de um tronco espiralado.

Lá de cima, o Macaco do RH, pendurado e sorridente, gritou:

— “Pode subir! A vaga é sua, desde que você ‘demonstre proatividade’!”

O Tamanduá Gerente murmurou, sem largar seu chimarrão:

— “Gosto desse tipo de bicho... superação é com ele mesmo.”

A Zebra da Comunicação, sempre pautada na estética, comentou:

— “Ele é ótimo! Mas será que a imagem dele transmite agilidade?”

Do galho mais alto, a Coruja da Inclusão arregalou os olhos:

— “É isso que chamam de diversidade? Um cartaz bonito com uma escada embaixo?”

Lá do rio, chegou a Arraia do Instituto Rede Incluir, que vinha trazendo uma barca de acessibilidade de verdade: trilhas adaptadas, formação de lideranças, e pasmem escuta ativa.

Ela convocou uma roda de conversa no meio da clareira.

Sentaram-se: o Elefante Administrativo (que nunca olhava pra baixo), o Galo Supervisor (fã da meritocracia), o Camaleão Designer (que se adaptava a tudo menos a processos seletivos inclusivos), e a Capivara Operacional, que simplesmente escutava.

A Arraia começou:

— “Sabem quantos animais com deficiência estão trabalhando formalmente aqui na selva?”

Silêncio.

— “3%”, ela respondeu. “Mesmo com 30 anos de Lei de Cotas. Isso não é falta de talento. É excesso de desculpas.”

A Capivara disse baixinho:

— “A vaga existe. Mas é igual fruta no alto da árvore... só pra quem já nasceu pendurado.”

O Camaleão tentou amenizar:

— “Mas... a gente posta todo mês sobre inclusão!”

A Coruja olhou fixo:

— “Postar não é incluir. Incluir é pagar, ouvir, adaptar e manter.”

O Galo se ofendeu:

— “Mas a floresta é competitiva! Não podemos nivelar por baixo.”

A Arraia respondeu, sem elevar o tom:

— “Ninguém quer ser incluído por pena. Querem ser incluídos por competência com acesso à partida justa.”


Frases de impacto da selva:

  • “Currículo não sobe ladeira. E talento não floresce onde não há chão.” - Tatu

  • “Inclusão que começa no banner e morre na entrevista é só maquiagem institucional.” - Coruja

  • “Dizer que todos são bem-vindos sem mudar nada é o jeito educado de continuar excluindo.”  Capivara

  • “A selva é diversa nas fotos. Mas no salário, a folha é sempre monocromática.” - Arraia

Análise final  por Antoniel Bastos

A floresta anda moderna, cheia de discursos com eco digital. “Inclusão, respeito, oportunidade.” Falam bonito. Usam filtro. E seguem deixando a trilha intocada.

A verdade é que só 3% das pessoas com deficiência estão empregadas formalmente, segundo dados atuais. Não por falta de talento. Mas porque o processo continua feito para os mesmos corpos, a mesma lógica, o mesmo privilégio.

Incluir não é permitir que o outro se esprema na sua trilha. É construir outras trilhas.

O Instituto Rede Incluir tem feito isso. Leva formação, adapta estruturas e mostra que inclusão é ação, não campanha. Eles não gritam diversidade eles praticam.

A selva precisa parar de achar que o diferente é um problema. Porque o verdadeiro problema é insistir em normalizar a exclusão.

E eu, Antoniel Bastos, só posso dizer:

A vaga pode até existir. Mas se não houver rampa, ela continua sendo só mais um galho alto para pendurar estatística.

Antoniel Bastos - Presidente da Rede Incluir, jornalista (MTB 00375/RJ), escritor e Coach em Desenvolvimento Humano (Universidade Anhanguera - SP). Minha expertise se estende ao Marketing Digital (Pós-Graduação Unisignorelli - RJ) , líder de iniciativas de Diversidade e Inclusão como Diretor de RH da ACIJA - Associação Industrial e Comercial de Jacarepaguá e Gestor de Relacionamento Estratégico do Grupo Tokke - Gestão de Qualidade de Vida.  

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