Na Selva do Trabalho: Quem é Empregado, Funcionário ou Colaborador?
Na floresta do Progresso Verdejante, a Zebra do RH convocou uma assembleia com todos os animais empregados da megaempresa “Selva & Soluções Ltda.”.
No palco improvisado com cipós e folhas de bananeira, ela anunciou:
— “Estamos atualizando nosso manual de conduta e precisamos alinhar nossa linguagem com o mercado. A partir de hoje, todos serão chamados de colaboradores!”
Um silêncio desconfortável se espalhou. Até o vento pareceu hesitar.
Foi quando a Anta Sindicalista, com a CLT na boca e o olhar sério, marchou até o centro da clareira:
— “Desculpa interromper, Zebra, mas essa conversa tá parecendo marketing de girassol: bonita por fora, mas o miolo é vazio!”
— “Como assim?”, retrucou a Zebra, ajeitando os óculos com um casco.
— “‘Empregado’ é quem tem vínculo formal reconhecido pela CLT, recebe salário, tem carteira assinada, 13º, férias, FGTS, e tudo mais. Tá aqui ó, artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. É isso que somos! Não tem papo florido que apague isso!”
A Arraia Psicóloga tentou suavizar:
— “Mas ‘colaborador’ soa mais gentil, mais participativo. Gera senso de equipe, de afeto...”
A Hiena Estagiária soltou uma risadinha:
— “E senso de direito, tem? Porque ‘colaborador’ parece que a gente tá ajudando por hobby, né?”
A Coruja Jurídica, que só falava quando era necessário, pousou e cravou:
— “O termo ‘colaborador’ não é ilegal, mas não tem respaldo jurídico. E usar isso em documentos internos pode, sim, gerar brechas legais. O empregador pode se esquivar de reconhecer obrigações trabalhistas. Sabe o que é isso? Nevoeiro linguístico para confundir o ninho!”
O Elefante Servidor Público, com gravata e crachá da floresta federal, disse:
— “Eu mesmo sou chamado de funcionário, porque esse termo vale para nós que trabalhamos em órgão público. No setor privado, o termo certo é ‘empregado’. Isso aqui não é zoológico do governo, não.”
— “Ou seja,” completou a Formiga Operária, “funcionário é do Estado, empregado é da empresa privada e colaborador... bem... colaborador é só um apelido corporativo pra suavizar a hierarquia!”
A Girafa Gerente, que via tudo de cima, ficou pensativa:
— “E se a gente chama todo mundo de ‘colaborador’, mas na prática só obedece ordens, cumpre metas, bate ponto e é mandado embora por e-mail... que colaboração é essa?”
A Jabuti do Arquivo, que falava pouco e vivia muito, concluiu:
— “Chamar de colaborador sem dar voz é como pintar arco-íris em preto e branco. Bonito, mas não diz nada.”
Frases de impacto, nas falas dos animais:
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“Colaborador sem direitos é só funcionário fantasiado de afeto.” - Hiena
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“Não é o nome que define a relação de trabalho. É o vínculo, o contrato e a lei.” - Coruja
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“No fundo, colaborador é só um perfume leve pra disfarçar o suor do empregado.” - Anta
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“A linguagem pode incluir ou excluir. E o mercado adora incluir palavras, mas excluir direitos.” - Girafa
Reflexão Final por Antoniel Bastos:
Na selva moderna do mercado, palavras viraram camuflagem. “Colaborador” virou sinônimo de modernidade. “Empregado”, sinônimo de rigidez. “Funcionário”, uma relíquia do Estado. Mas a pergunta que ecoa entre galhos e planilhas é simples: quem está ganhando com essa troca de nomes?
Não é o trabalhador.
A CLT não é poesia é contrato. Não é afetiva é objetiva. E ela reconhece empregado, não “colaborador de LinkedIn”.
Em tempos de discursos perfumados e gestos de inclusão disfarçada, talvez seja hora de parar de pintar palavras e começar a garantir direitos. Porque, no fim, como diria a Coruja:
“Se querem me chamar de colaborador, que me deixem colaborar de verdade: com voz, escolha e respeito.”
E eu, Antoniel Bastos, só posso te dizer: que essa floresta aprenda que a linguagem também é uma forma de poder e que direitos não podem ser apagados com um novo nome na placa da porta.
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