Crônicas da Selva S.A - Vaga Exclusiva ou Vaga Excludente?

 

Naquela manhã abafada da Selva S.A., uma placa apareceu cravada no tronco principal da árvore da empresa TroncoTech: “Vaga exclusiva para animais com deficiência.”

Parecia uma notícia boa. Mas ali, na floresta das aparências, nem tudo que parece inclusão é, de fato, incluído.

A Lontra Cega, mestre em leitura sensorial e mapeamento fluvial, leu a placa com a ajuda de seu amigo o Grilo Tradutor de Sons e resmungou:

— “Se a empresa é mesmo inclusiva, por que precisa avisar que essa vaga é ‘exclusiva’ pra mim? Isso já me separa do resto.”

O Cavalo Surdo, gerente de transporte interflorestal, ergueu as orelhas e usou sinais com o apoio do Papagaio Libras:

— “É como dizer: você só entra por essa porta, e só se for agora. A porta principal continua sendo para os outros.”

A Girafa de Próteses, especialista em logística de galhos altos, comentou com um olhar de quem já subiu e caiu muitas vezes:

— “Já passei por 12 seleções. Todas diziam ser inclusivas. Em nenhuma havia rampa no dia da entrevista.”

Na Selva S.A., os relatos não param:

O Porco-Espinho Cego de um olho, ex-analista da Figueira Seguros, foi direto:

“Vaga exclusiva não é vitória. É demarcação. É o território que diz: você só entra aqui  e nem sempre será promovido.”

A Arraia Cadeirante, que nadava entre correntes administrativas, falou com dor:

“Eles querem meu CPF para o CAGED, mas não querem minha mente nas decisões. Sou número. Nunca nome.”

A Minhoca Bipartida, profissional da área jurídica que usa tecnologia assistiva para digitar, soltou:

“O capacitismo é sutil. Se não sou rápida como o Lobo, sou descartada. Se sou boa demais, sou suspeita.”

Frases Potentes da Selva:

  • “Vaga afirmativa não é favor. É correção de um atraso estrutural.” - Girafa de Próteses

  • “Não quero vaga adaptada. Quero ambiente acessível.” - Lontra Cega

  • “Quando dizem ‘a vaga é só pra você’, eu já sei: o resto da floresta continua inacessível.” - Porco-Espinho Cego

  • “Inclusão sem acessibilidade é só um teatro com rampa cenográfica.” - Arraia Cadeirante

  • “Exclusiva para mim? Ou exclusiva para manter todos os outros fora?” - Minhoca Bipartida

E os dados da floresta?

  • Apenas 29,2% das pessoas com deficiência participam da força de trabalho, segundo o IBGE (2023).

  • Mais de 55% estão na informalidade.

  • Apenas 1 em cada 4 empresas cumpre integralmente a Lei de Cotas (8.213/91).

  • A maior parte das contratações ocorrem em setores operacionais, com pouca ascensão e salários menores.

  • Muitas PcDs não informam sua condição com medo da exclusão ou de serem tratadas como incapazes (Fonte: Infojobs e BBC Brasil).

Análise por Antoniel Bastos  “Incluir não é anunciar. É transformar.”

Se Jabor vivesse esse dia na Selva S.A., escreveria com ironia:

“Vivemos num país onde a palavra ‘inclusão’ virou selo para LinkedIn e marketing de RH. Porque enquanto uma vaga é ‘exclusiva’, o resto do sistema continua excludente.”

A verdade é dura: ninguém deveria precisar de uma vaga separada para ser visto. Porque uma empresa realmente inclusiva não reserva espaço ela constrói acesso.

Enquanto a selva exibe seus anúncios afirmativos, os galhos continuam altos, os processos seletivos continuam longos e os olhos continuam mais atentos à deficiência do que à competência.

Chamam de inclusão, mas delimitam o território.
Chamam de oportunidade, mas mantêm o teto de vidro.
Chamam de diversidade, mas só convidam para foto de campanha.

Não há inclusão onde há limite para crescer.

Vaga afirmativa é um instrumento.
Mas se não houver transformação na estrutura, no processo, na cultura…
ela será só uma vitrine bonita, com rampa cenográfica e porta lateral.

E nessa selva, o que os animais pedem não é privilégio.
É apenas o direito de caminhar com dignidade.

Antoniel Bastos - Presidente da Rede Incluir, jornalista (MTB 00375/RJ), escritor e Coach em Desenvolvimento Humano (Universidade Anhanguera - SP). Minha expertise se estende ao Marketing Digital (Pós-Graduação Unisignorelli - RJ) , líder de iniciativas de Diversidade e Inclusão como Diretor de RH da ACIJA - Associação Industrial e Comercial de Jacarepaguá e Gestor de Relacionamento Estratégico do Grupo Tokke - Gestão de Qualidade de Vida. 

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