Crônicas da Selva S.A - A Febre da Felicidade: Quem Viciou a Floresta?
Na floresta dos cliques e dos likes, a Selva S.A. acordou agitada. Não era pela seca. Nem por predadores. Era uma inquietação que ninguém sabia nomear mas todos sentiam.
O Tamanduá-Bandeira do Departamento de Clima Organizacional abriu a reunião com uma pergunta:
— “Alguém aqui consegue ficar satisfeito por mais de 3 dias com alguma coisa?”
Silêncio. E então a confusão começou.
A Cutia-Cibernética, gerente de inovações, rodopiava em círculos:
— “Ontem bati minha meta. Hoje já me perguntaram qual é a próxima.”
O Jacaré-de-Papo-Amarelo, supervisor de operações, resmungou:
— “Subi de cargo semana passada. Não deu nem tempo de comemorar. Já recebi um feedback pedindo mais ‘energia’.”
A Lontra-Andina, da área de treinamento, largou um dado alarmante:
“Segundo o IBGE e a OMS, mais de 40% dos trabalhadores brasileiros relataram sintomas de ansiedade crônica em 2023. Estamos na era do excesso e ainda assim, sentimos falta de tudo.”
O Quati-Introspectivo, analista de BI, rebateu com sarcasmo:
— “A culpa é da dopamina. Aquela gota química que faz a gente sorrir e querer mais. Só que aqui na selva, virou droga corporativa.”
Falas Potentes da Selva S.A.:
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“A selva prometeu sucesso. Entregou cansaço.” - Jacaré-de-Papo-Amarelo
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“Felicidade aqui é KPI. Você só vale se performa sorrindo.” - Cutia-Cibernética
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“A dopamina virou meta. E quem não corre atrás dela… é taxado de desmotivado.” - Tamanduá-Bandeira
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“Não estamos doentes de tristeza. Estamos viciados em ‘querer mais’.” - Quati-Introspectivo
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“Na floresta do futuro, ninguém tem tempo de viver o agora.” - Lontra-Andina
Dados que fazem a copa tremer:
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Segundo a OMS, o Brasil lidera o ranking de ansiedade no mundo (2023), com mais de 9,3% da população afetada clinicamente.
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Um estudo da Deloitte (2023) mostrou que 67% dos profissionais dizem não conseguir comemorar suas conquistas, pois estão sempre pressionados a entregar mais.
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A Sociedade Brasileira de Neurociência aponta que o ciclo dopaminérgico de recompensa está sendo hiperestimulado por redes sociais, metas inatingíveis e pressão cultural pelo “sucesso constante”.
Outros animais apareceram na conversa:
O Urutau-Melancólico, mentor de desenvolvimento pessoal:
— “A floresta perdeu o direito de parar. Se você não está buscando ‘mais’, você está fora.”
A Raposa-Rubra da Saúde Mental:
— “Vivemos numa selva onde descansar virou pecado. E felicidade virou obrigação.”
A Arraia do Litoral Leste, do RH de bem-estar:
— “Estamos ensinando os filhotes a serem produtivos antes de ensiná-los a sentir.”
Análise final por Antoniel Bastos: “Dopamina, a pandemia invisível”
Se Jabor estivesse aqui, ele começaria com ironia:
“Estamos vivendo uma overdose de esperança industrializada.
A felicidade foi terceirizada, embalada a vácuo e vendida em pílulas motivacionais.”
A Selva S.A. transformou o bem-estar em métrica.
O prazer virou algoritmo.
A alegria virou obrigação.
Não vivemos mais. Performamos.
Corremos atrás de um “mais” que nunca chega.
Queremos mais status, mais validação, mais curtidas, mais metas batidas.
Mas o que sobra é menos tempo, menos afeto, menos presença.
Talvez a pandemia da dopamina não venha de um vírus.
Mas de um sistema que recompensa o movimento e pune o sossego.
A floresta está adoecendo. Não por falta de frutos, mas por excesso de fome.
E o pior é que ninguém para.
Porque a próxima notificação, a próxima promoção, o próximo elogio…
pode ser a dose que finalmente vai nos fazer sentir “suficientes”.
Só que não vai.
Antoniel Bastos - Presidente da Rede Incluir, jornalista (MTB 00375/RJ), escritor e Coach em Desenvolvimento Humano (Universidade Anhanguera - SP). Minha expertise se estende ao Marketing Digital (Pós-Graduação Unisignorelli - RJ) , líder de iniciativas de Diversidade e Inclusão como Diretor de RH da ACIJA - Associação Industrial e Comercial de Jacarepaguá e Gestor de Relacionamento Estratégico do Grupo Tokke - Gestão de Qualidade de Vida.
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