A Pessoa com Deficiência e o Teatro da Igualdade: Uma Entrevista na Selva Corporativa
No coração da selva moderna, onde as folhas eram de LED e os cipós transmitiam dados, o Tamanduá, CEO da maior empresa da floresta, resolveu abrir vagas para “todos os perfis”. “Aqui somos diversos!”, dizia o letreiro na entrada, piscando em neon verde.
No dia da entrevista, uma fila se formava. O Cavalo-marinho saiu do aquário portátil, o Morcego chegou guiado por sonar, a Lagarta deslizou com elegância entre as folhas, e por fim, a Raposa com deficiência visual, apoiada em seu bastão sensorial.
— “Sejam bem-vindos ao nosso processo! Vocês terão que correr três voltas ao redor da árvore do conhecimento para demonstrar competência!” anunciou o Tamanduá, com um sorriso tão amplo quanto a ignorância do seu RH.
A Raposa levantou a pata:
— “Posso participar de outra forma? Tenho outras habilidades. Mas essa prova não foi pensada para mim.”
O Tamanduá respondeu:
— “Mas tratamos todos iguais! A mesma prova, o mesmo critério. Isso é justo!”
Lá do alto de uma palmeira, o Camaleão consultor de inclusão camuflado no sistema disse:
— “Justiça não é tratar todos igual. É garantir que todos tenham chance de mostrar o melhor de si. Tratar todos como iguais num mundo de diferenças é o jeito mais educado de excluir.”
A Lagarta, que havia escorregado discretamente por entre as raízes, sussurrou:
— “Nos chamam para a festa, mas esquecem de construir o chão. Diversidade sem rampa é só discurso com salto alto.”
O Morcego, que percebia tudo no silêncio, ecoou com serenidade:
— “A trilha está iluminada, mas não é acessível ao tato. Quando a escuta é surda, o convite à participação vira silêncio institucional.”
O Cavalo-marinho, flutuando num globo d’água adaptado, completou:
— “Eles falam de diversidade como um selo bonito. Mas diversidade sem equidade é só vitrine com fundo falso. O mérito é uma armadilha quando parte de um ponto que nem todos alcançam.”
A floresta silenciou. Até o vento segurou o fôlego.
Reflexão final por Antoniel Bastos – em tom de Arnaldo Jabor, (eterno mestre):
Estamos há mais de três décadas fingindo que incluir é só contratar. Vestimos o crachá da diversidade, mas escondemos a acessibilidade na gaveta. Dizemos “todos são bem-vindos”, mas esquecemos que nem todos conseguem entrar pela porta estreita da normalidade corporativa.
A Lei de Cotas virou argumento, não prática. Os processos seletivos continuam padrão, lisos, frios. Entrevistas via vídeo sem legenda, provas padronizadas que ignoram a singularidade, escadas simbólicas em cada etapa.
Segundo o IBGE, apenas 24% das pessoas com deficiência estão empregadas formalmente. E não é por falta de capacidade é por falta de estrutura, de escuta, de vontade política. Isso não é acaso, é construção.
E então me pergunto e pergunto a você que lê:
Você está convidando a diversidade ou praticando a equidade?
Você abre a vaga ou abre o caminho?
Porque no fim, como dizia o Camaleão daquela palmeira:
"Enquanto a floresta só pinta a placa de ‘inclusiva’, a raiz da exclusão segue firme, invisível e intacta.”
E eu, Antoniel Bastos, te convido a deixar de apenas parecer justo. Está na hora de ser.
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