O Reino de Atlantis e a Maldição dos Condilianos
Era uma vez, nas profundezas do lendário Reino de Atlantis, um lugar que, embora mitológico, tinha tudo que um bom condomínio de luxo deveria ter: piscinas cintilantes, salões de festas que pareciam ter saído de novela das nove, jardins instagrameáveis e, claro, moradores altamente qualificados — doutores, mestres, pós-doutorados, autodidatas do YouTube e especialistas em "pagar condomínio e reclamar no grupo".
Mas havia um problema. Um não, vários. E todos tinham cheiro de cerveja esquecida no subsolo e som de ar-condicionado pingando feito cachaça de boteco.
Foi então que o Gambá da Piscina, ser mitológico confundido injustamente com uma ratazana do esgoto (e que cheirava melhor do que muitos corredores), decidiu convocar uma Assembleia Extraordinária dos Seres Fantásticos e dos Problemas Reais.
Compareceram à reunião o Minotauro do Subsolo (que já estava cansado de quase ser atropelado por moradores no rali dos carros turbo), a Sereia do Playground, o Dragão da Lixeira, o Unicórnio das Regras Internas e até mesmo o Bobo da Corte, herança da gestão passada que ainda achava graça na bagunça generalizada.
— Silêncio, criaturas! — rugiu o Dragão da Lixeira. — Estamos vivendo um caos civilizado. Gente que escreve tese de doutorado, mas não sabe levantar a tampa da lixeira porque “ela é alta demais”.
— Exatamente! — guinchou a Sereia. — Jogam o lixo do lado e dizem: “Eu pago condomínio, os serviçais que peguem.” Que bonito, hein? Robin Hood ao contrário: tiram da coletividade pra dar ao ego.
O Gambá coçou o focinho e soltou um leve jato aromático de indignação.
— O que me irrita é a certeza da inocência. Sempre é “só dessa vez”, “foi sem querer”, “todo mundo faz”. Será que no fundo, bem no fundo mesmo, esse pessoal acha que “educação” vem no boleto do mês?
Nesse instante, surge ele: Batman. Sim, o próprio. Mas neste reino, ele largou Gotham e virou síndico preventivo. Veio voando (com a capa lavada) direto da Torre Sul.
— Não sei se Atlantis afundou no oceano ou na arrogância — começou ele. — Aqui, temos gente que não segura o elevador por horas, é o tempo necessário, gente que jura que o cachorro é tão educado que caga sozinho e dá descarga, e criança que não suja, não grita, não toca nos interfones... e, se toca, “ué, quem nunca foi criança?”
O Bobo da Corte, rindo com vergonha, tentou lembrar os tempos em que “aqui podia tudo”.
— Ah, na minha gestão, o reino era livre! Ninguém se preocupava com regimento interno. A grama era só um tapete verde, os vasilhames decoravam o subsolo, e as multas... bem, eram lendas urbanas!
O Gambá arqueou uma sobrancelha e perguntou, curioso:
— E antes que me perguntem, Bobo... afinal, o que é a Maldição dos Condilianos?
O Bobo girou, fez uma reverência dramática e respondeu:
— É simples, meu caro fedorento. A Maldição dos Condilianos é quando o sujeito estuda em Harvard, mas age no condomínio como se tivesse se formado na Universidade do “Me Sirva, que Eu Pago”! Tem doutorado em Ética, mas estaciona na vaga de visitante com o carro atravessado e acha que respeito é coisa de panfleto motivacional!
A plateia riu. Nervosa.
— É isso mesmo! — completou o Unicórnio das Regras. — Quando a cultura sobe pro cérebro, mas a educação desce pelo ralo do banheiro da área comum.
A Fênix da Biblioteca, renascida mil vezes ao ver o mesmo problema voltar com nomes diferentes, levantou voo e lançou sua máxima:
— O problema não é a falta de cultura, é o excesso de vaidade. É gente com cabeça cheia de títulos e mãos vazias de atitudes.
— É que alguns confundem pagar condomínio com comprar um reino — suspirou o Minotauro. — Acham que isso dá o direito de andar como se estivessem em “Velozes e Furiosos: Subsolo Drift”, ou que o barulho da TV no último volume é culpa da Samsung, “que vende aparelho desregulado”.
O Gambá finalizou com um brinde simbólico de cloro:
— O que estamos vivendo é a era do “meu filho é educado, meu cachorro é um lorde, eu nunca erro”. Mas se todos são tão perfeitos... quem é que está transformando Atlantis num circo sem lona?
Silêncio.
Nem o Bobo da Corte riu.
Moral da Fábula:
“Não é porque você paga condomínio que comprou o direito de ignorar o coletivo.”
Educação de verdade não se pendura na parede com moldura dourada. Ela aparece quando ninguém está olhando. E no Reino de Atlantis, assim como em qualquer condomínio do mundo real, o que está em jogo não é quem tem mais diploma, e sim quem tem mais respeito.
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