Eita, Eita, Eita! Uma Hora Irá Acontecer — Mas de Quem Será a Culpa?
Narrado por Sócrates, o velho pensador das ruas e das perguntas incômodas.
Era uma vez no Reino de Atlantis, um condomínio tão bonito que as árvores pareciam ter sido desenhadas por artistas e os blocos reluziam sob o sol como pequenas cidadelas douradas.
Ali, todos os dias, a Nova Gestão — um grupo de zeladores da boa convivência — espalhava mensagens, bilhetes, cartas e até sinais de fumaça:
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"Não ande de bicicleta no subsolo!"
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"Não corra com o carro como se estivesse na Fórmula 1!"
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"Jogue o lixo na lixeira, não do lado!"
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"Ao andar com seu pet, recolha o que ele deixar!"
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"Use focinheira se precisar!"
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"Criança não pode andar sozinha no elevador!"
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"Brinquedos são para brincar sob os olhos dos responsáveis!"
Era como se Atlantis vivesse num eterno manual de boas práticas.
- Mas todo dia, entre uma recomendação e outra, Sócrates observava...
- Corridas no subsolo.
- Pets passeando sozinhos.
- Lixo enfeitando as calçadas.
- Crianças no elevador apertando todos os botões como se fosse um videogame.
E, claro, as risadas. O famoso som do "eita, eita, eita!" ecoava pelas paredes do reino.
Até que um dia, o inevitável aconteceu: o elevador parou, um carro quase atropelou uma bicicleta, um pet fez seu "servicinho" no hall e um lixo deslizante causou um escorregão digno de Oscar.
Foi aí que Sócrates — já cansado de coçar sua longa barba — se pôs de pé no meio da praça e, com voz serena, perguntou:
— De quem é a culpa?
Um senhor com a camiseta "eu pago, eu posso" respondeu:
— É do condomínio que não colocou mais câmeras!
Uma senhora com luvas de ginástica disse:
— É da gestão, que não faz milagres!
Uma jovem com o celular grudado na mão gritou:
— É do síndico que não vigia cada criança!
Um cachorro latiu:
— Au au au! (Tradução: é do porteiro, claro!)
Sócrates sorriu, aquele sorriso triste de quem já viu muitos séculos passarem:
— Não, meus caros. A culpa é de todos nós.
- É de quem ensina sem exemplo.
- É de quem paga, mas esquece que o valor não compra consciência.
- É de quem educa seu filho para o palco, mas não para a vida.
- É de quem terceiriza a responsabilidade quando a ética chama.
O povo, desconfortável, olhava para os lados, para os tênis, para o celular — para qualquer lugar que não fosse o próprio espelho.
Sócrates, então, concluiu:
A convivência não é um contrato de aluguel.
É uma obra coletiva feita de pequenas ações diárias.
E uma hora... eita, eita, eita... acontece.
Quando acontecer,
que a culpa não seja uma dança de cadeiras.
Que ela seja reconhecida,
assumida,
corrigida.
E que, finalmente, a mudança floresça,
não porque houve acidente,
mas porque houve consciência.
E assim, entre uma piscadela e outra, Sócrates desapareceu, deixando apenas o eco de suas perguntas flutuando no ar quente de Atlantis.
Moral da Fábula:
Responsabilidade não é para quando dá errado.
É para evitar que dê errado.
Eita, eita, eita...
Não espere o elevador parar para perceber que você esqueceu de apertar o botão da consciência.
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